segunda-feira, 4 de maio de 2009

Hoje foi um dia cinza e frio.
Como se as cores saíssem de dentro de mim pra pintar o céu.
E todas as coisas, as horas, e as pessoas estavam lentas e tristes, como que à espera de algo que as acordasse.
Hoje tudo estava com sono e com medo.
Como tem estado com sono e com medo todos esses últimos anos, essas últimas décadas, esses últimos séculos.
Como se por dentro todos percebêssemos que não existe uma ordem superior, nem um sistema que nos controle como no admirável mundo novo.
Construímos um Big Brother pra justificar nossa sensação de impotência. Imaginamos um homem bom corrompido por um sistema criado há muito tempo e controlado por sabe-se lá quem, mas no fundo sabemos que nós é que somos porcos e egoístas, nós é que criamos nosso sistemazinho dia após dia, através de cada passo que damos, seja na postura de dominado ou de dominador.
E nós mantemos esse sistema em equilíbrio a cada ação civilizada que temos pra tentar acreditar que é isso o que nos oprime, sendo que na verdade nós é que estamos insatisfeitos com a nossa condição de simples criaturas, tão vulneráveis quanto todas as outras do planeta.

E preferimos pensar que fomos criados para dominar o universo, e gastamos nosso tão desenvolvido intelecto pra criar carros possantes, televisões que conseguem reproduzir a realidade da forma mais fiel possível, e tantas outras coisas que hoje são criadas apenas pra que a gente tenha o que fazer com o dinheiro que passamos a vida tentando juntar.
Enquanto isso morremos de medo de explorar o que há fora da Terra, do sistema, da galáxia, além do universo visível, porque não suportamos a idéia de sermos simplesmente pequenas criaturas iguais a tantas outras tão distantes de nós no espaço e no tempo, e tão queridas por deus quanto nós, tão imagem e semelhança do Divino, tão ligadas à origem do universo quanto pensamos que somos.
Morremos de medo de descobrir que nosso sistema tão opressor é na verdade inventado e mantido por cada um de nós, que nosso deus tão justo e protetor é na verdade criado dentro da nossa cabeça, e que o sentido da nossa vida talvez seja tão simples quanto o de um vaso de tulipas.
Morremos de medo de sermos os simples animais que na verdade somos.
Morremos de medo de descobrir que somos tão egoístas e tão cruéis e tão gananciosos e tão tristes e tão solitários e tão perdidos como somos.
E temos medo de dizer certas palavras que subvertam nossa ordenzinha medíocre e tão dependente dos bons modos...
E somos pequenos.
Somos sozinhos.
Somos vazios.
Somos medrosos.
Somos cinzas e tristes como o dia de hoje.
Elefantes na sala de estar não fazem diferença na nossa vida.
Nem atentados terroristas, desastres naturais, chacinas, massacres, guerras, poluição.
Nos abalamos superficialmente com a injustiça da realidade só pra enganar nosso instinto de sobrevivência, mas na verdade não estamos nem aí.
Somos infelizes e desesperados, e aceitamos certas ilusões simplesmente pra acreditar que somos felizes.
Nos acostumamos às coisas ruins e acreditamos em pequenas coisas boas que aparecem só pra termos a sensação dos altos e baixos da vida.
Mas as coisas ruins não tem volta, e em pouco tempo as boas já não fazem mais efeito.
Gostamos de nos sentir diferentes e odiamos a idéia de que quando morremos nos transformamos em simples matéria orgânica, e para que isso se torne um pouco mais suportável, inventamos que assim nos integraremos para sempre a tudo o que existe, nos tornando mais evoluídos e mais perto de deus e do eterno.
Mas tudo o que queremos é acreditar que essa eternidade dê algum sentido pras nossas vidas vazias.
Não temos controle sobre as coisas que criamos, e sentimos uma angústia imensurável por não entender e nem controlar nossas manifestações artísticas.
Talvez por isso mesmo sentimos que nossa arte seja tão especial e tão eterna e tão divina e tão poderosa.
Tudo o que queremos desde que nascemos é a liberdade.
Mas a cada dia nos prendemos mais e mais às ditaduras do sistema que nós mesmos impomos, a cada dia nos escravizamos em troca de poder, seja desenvolvimento intelectual, seja pedaços de papel colorido com número impresso, que pode ser facilmente convertido em batatas fritas, iates, companheiros fiéis, orgasmos, diplomas e, inevitavelmente, mais pedaços de papel colorido com números impressos.
Cultivamos nosso orgulho e o perdemos pela vaidade.
Acreditamos que nunca seríamos capazes de matar ninguém, punimos os assassinos como se fossem menos humanos que nós, justificamos nosso poder de decidir o certo e o errado, mas aos poucos vamos tentando diminuir o que as outras pessoas pensam que representam pra elas mesmas e pro mundo, pensando que assim nós mesmos vamos passar a representar mais pra elas.
Buscamos a justiça deixando que alguns poucos tenham o poder sobre o bom e o mal.
Nos oprimimos de propósito, aceitamos as ditaduras, entregamos nosso poder, abrimos mão do nosso discernimento, pra sofrer por ser menos, pra justificar nossas fraquezas, pra esconder... o nosso medo.
E vamos vivendo...
Através dos dias frios e cinzas...
Nos sentindo sozinhos...
Com medo da verdade...
Nos iludindo pra sermos felizes...
Buscando respostas com medo de encontrá-las...
Com medo de sermos simples... seres humanos.
Criando mais dias frios e cinzas...
Fugindo da liberdade...
Nos entregando aos vícios...
E à solidão...
E à opressão do sistema...
E ao medo...
E o pior de tudo... É que fazemos tudo isso de propósito.
Por medo de não saber o que mais fazer com as nossas vidas pequenas e insignificantes.

Um comentário:

  1. Angustia, medo, solidão, se isso tudo não for um meio a chegar a um fim, gozarei de felicidade quando o fim chegar.
    De qualquer maneira o desequilibrio é natural,
    a inconstância é linda, como se fosse uma louca dança de cores e vida.Os vícios servem para que nos estabeleça em ordens, certos bancos, certos portos...

    Sabes salgar uma salada, temperar um arroz, adoçar um café?Procure dosar o seu tempero.
    Como já dizia Milton Nascimento, muito além do bem e do mal...

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